A prisão cautelar que, de forma geral, é uma prisão garantia, não é, em nenhuma hipótese, uma reprimenda, um castigo pelo crime cometido, tratando-se, sim, de um instrumento destinado a assegurar a eficácia do processo penal, às vezes protegendo a lisura da investigação em sua fase inquisitorial, outras vezes cuidando para que o suspeito não se furte ao julgamento e, em determinadas situações, permitindo o curso normal da instrução processual.
Dentre as espécies de prisões garantia eu incluo a prisão preventiva (art. 312, CPP), a prisão temporária (Lei 7.960/89), e a prisão em flagrante (art. 301, CPP) - (sim, porque essa também não é uma reprimenda pelo crime cometido).
Na doutrina é consenso que a decretação ou a manutenção de qualquer das espécies de prisão acima só se justifica pela necessidade de garantir a efetividade do processo sob qualquer aspecto. Fora disso, a prisão se transmuda em deplorável antecipação da pena, que, às vezes, nem chega a ser aplicada.
Então, porque o Judiciário vem, salvo algumas honrosas exceções, adotando a tendência de transformar a prisão cautelar, de caráter excepcional, em regra?
Tenho visto, aqui e alhures, casos concretos onde, por exemplo, o juiz decretou e manteve a prisão preventiva de um acusado de homicídio sem nenhum antecedente, de trabalho e endereço fixo e com boa reputação na comunidade, ao argumento de que a sociedade não deveria ficar com a “sensação de impunidade”. Ora, a prisão garantia não é pena.
Esses dias, um magistrado da Bahia, atendendo a uma representação de prisão temporária de um suspeito, decretou-a ao fundamento de que “havia fortes indícios de autoria”. Só. Detalhe: a decisão não justifica a necessidade da prisão do ponto de vista cautelar. E mais, o suspeito jamais se recusou a comparecer à Delegacia, já indo para o seu terceiro depoimento.
E tantos outros casos que não lembro, além dos quais quem labuta no meio já se deparou.
Para mim, a resposta é que o Poder Judiciário, impotente para dar uma rápida satisfação à sociedade com a condenação célere (seja pelo número de processos, seja pela interposição de muitos recursos, ou por qualquer outro motivo) tem lançado mão das prisões garantia para transmitir à comunidade a sensação de que a “justiça” está sendo feita.
Um caminho perigoso, que está em rota de colisão com tudo que se sabe sobre os princípios do Direito Penal Constitucional.
Essa pressão que o Judiciário está impondo, e se impondo, decorre de uma visão deturpada da sociedade, que acha que tal Poder é o único responsável pelo aumento ou diminuição dos índices de criminalidade. E não é.
A fonte da criminalidade é social e necessita de políticas públicas sérias, e a longo prazo (coisa que não dá voto). Ao Poder Judiciário (e não Poder Justiceiro) cabe aplicar a Lei e seus Princípios a todos de forma igualitária.
Essa metamorfose da prisão cautelar em prisão pena tem sido desgastante, constrangedora e, a longo prazo, vai causar grandes prejuízos à sociedade leiga que hoje lhe bate palmas.
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